sábado, 25 de outubro de 2014

PILOTOS E EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA RELAÇÃO ESQUECIDA OU NUNCA ENCARADA?

            O 1º curso de pilotagem que foi ministrado em Portugal remonta ao ano de 1916 e a Vila Nova da Rainha.

            Foi um curso de âmbito militar, conhecido por “curso histórico”, ministrado por instrutores que tinham ganho as suas “asas” em França e Inglaterra. Estávamos em plena I Guerra Mundial.

            Daí para cá a Aeronáutica Militar e a Aviação Naval reunidas, em 1952, na Força Aérea, nunca mais deixaram de formar pilotos e todas as outras especialidades ligadas ao pessoal navegante e àquelas que permitem que as aeronaves cumpram as suas missões na 3ª dimensão do espaço.

            Não se sabe é até quando, pelo andar da carruagem da “austeridade”, se vai conseguir manter esta capacidade de nos instruirmos a nós próprios…

            A primeira escola para pilotos civis recua a 5/6/1930, quando a mesma foi formada no seio do Aeroclube de Portugal, fundado em 11/12/1909. A escola funcionou, inicialmente, na Esquadrilha de Aviação República, na Amadora.[1]

            Serve isto para dizer que Portugal foi dos primeiros países no mundo a criar capacidades e saber, para ministrar cursos de pilotagem (fiquemos por estes) e que tem basta experiência no assunto. Ou seja, os cursos que se fazem hoje em dia são resultado de vasta prática, actualizada com aquilo que melhor se fazia no estrangeiro e suficientemente “mastigada” para que o produto final seja fiável e de qualidade, sem embargo da pressão que passou a existir relativamente ao encurtar de gastos/custos, que uma actividade destas comporta.

            Na área militar por causa da compressão dos orçamentos da Defesa e da cada vez menor importância que as FA gozam perante a classe política; na área civil porque tudo é “negócio”, apesar do impacto que determinadas decisões têm na proficiência dos pilotos e na segurança de voo.

            Contudo, apesar da experiência consolidada em termos dos “curricula” e no modo de operar, de como ensinar um cidadão a ser piloto, uma área existe que não tem merecido a devida atenção: a educação física.

            Não vamos falar da parte militar onde esta situação está contemplada por especificidades próprias (embora de alguns anos a esta parte já muito “apaisanadas”), mas sobretudo no campo civil, âmbito a que nos vamos confinar.

            Numa palavra, a educação e preparação física nos cursos de pilotagem (já agora em qualquer outro), é igual a zero pela simples razão que não existe.

            Ora isto é uma falha e uma omissão muito indesejável.

            Apela-se aqui e desde já, para o INAC, como autoridade aeronáutica nacional, a fim de equacionar a questão.

            Questão que deve ser tida em duas vertentes: a preparação física propriamente dita e o gosto e conhecimento para a prática de actividade de manutenção da condição física que possa acompanhar o profissional do Ar para toda a sua vida útil.

            Acreditem ou não, mas durante a minha actividade de instrução (que já leva algum tempo) não é o 1º, nem o 2º, nem o 3º, aluno(a) com que topo cujos bíceps não aguentam o arredondar da aeronave antes de tocar novamente a crosta terrestre (leia-se pista) …

            A necessidade de ter uma razoável preparação física para quem é pessoal navegante (não se aplica só a pilotos) é uma verdade “lapalissiana” que encontra a sua síntese justificativa na célebre frase latina “mente sã em corpo são”. Mas há evidências que não entram pelos olhos dentro, sobretudo em que não as quer ver…

            Daqui se tira que a preparação física deve ser tida em conta no instante do recrutamento e selecção dos candidatos (muito ténue no meio civil) e que esta deve contemplar testes psicofísicos e psicométricos.

            E defender, como muitos fazem, de que a educação física deve ficar ao critério e livre alvedrio dos jovens, não resiste à mais elementar observação, muito menos quando não se impõem tabelas mínimas para o acesso a uma dada profissão.

*****

            Como se sabe o corpo humano é uma máquina, das mais perfeitas que se conhecem.

            Máquina que transforma energia química em energia mecânica e que possui 305 ossos e 434 músculos.

            Através do pensamento (cérebro) esta energia mecânica é transformada em movimentos, os quais implicam uma grande coordenação de sinergias várias.

            A capacidade de desenvolver um “gesto automático”, gastando a mínima energia possível - conhecido pelo “estereótipo motor-dinâmico” - é fruto da repetição de um gesto voluntário que ao fim de um determinado número de repetições (cerca de 1000) se torna automático.

            Enquanto o “gesto voluntário” depende do córtex, o “automático” depende do tálamo e o comportamento reflexo está ligado ao “bolbo, ou medula alongada”. Todos, porém, têm que estar em interacção.

            Ora tudo isto envolve o que é conhecido por “coordenação motriz”, que está na base da coordenação óculo-manual e espácio-temporal.

            Por ser assim que as coisas se passam, é que é essencial que haja movimentação dos segmentos ósseos (alavancas) que são acompanhados das forças que os movimentam (os músculos).

            Ora só através daquilo que nós conhecemos por educação física – modernamente chamada de “cinesiologia” – se consegue realizar todas estas funções com sucesso.

            Sendo o treino físico imprescindível não só para o aperfeiçoamento de qualquer gesto ou movimento, mas também para criar, logo obter, confiança e segurança no exercício das actividades do dia – a - dia ou, sobretudo, aquelas que são mais específicas de uma profissão, como o caso da pilotagem.

            E já nem falo na importância que a preparação física tem na resistência ao “stress”, à fadiga, no aumento da capacidade cardiovascular e à sensação de bem-estar e autoconfiança que provoca.

           Tudo isto passa, obviamente, pela parte psicológica que dá estabilidade necessária a todo o sistema (o tal estereotipo motor-dinâmico) e que hoje se pode manter até aos 65 anos desde que não haja historial de álcool e drogas.

            Parece evidente que o que atrás se disse é importante para todos os seres e profissões, e não parece ser difícil de entender que, para quem anda aos comandos de uma aeronave, tal seja essencial.

            Formar pilotos sem a componente “educação física” é estar à partida a limitar drasticamente (estima-se que até 50%) as capacidades e potencialidades existentes no ser humano, além de tornar mais morosa e difícil a aprendizagem.

            E representa ainda um perigo acrescido dado que os chamados “circuitos recorrentes” que originam o “feedback” passam a ser em número muito menor o que diminui o controlo da (nossa) máquina humana que, por sua vez, terá de controlar a outra máquina (aeronave).

            Face ao exposto não parece difícil de concluir que deviam existir tabelas mínimas de performance física para os candidatos a pilotos (o que já faria os candidatos começarem a preparar-se desde mais novos) e fazer acompanhar os “curricula” dos cursos com aulas obrigatórias de Educação Física (2 a 3 vezes por semana).

            Isto exige, como é bom de ver, meios que as escolas não têm mas que teriam que passar a ser criados, por serem requisito: seria o mesmo que não ter legislação aérea, na parte teórica ou um mecânico a apoiar a actividade aérea diária.

            É necessário, basicamente, professores/monitores e instalações desportivas. Tal pode ser conseguido com o apoio dos aeródromos onde se ministram actividades aéreas; conjugação de esforços entre escolas; aluguer de espaços (ginásios, campos desportivos/piscinas), etc., ou até construção de raiz, onde e quando tal se justifique.

            Não vou entrar no tipo de exercícios/desportos que interessem ou não fazer – deixarei isso para os especialistas – mas não posso deixar de tocar um último ponto que é o da necessidade de ensinar aos futuros profissionais o que eles podem e devem fazer, como ginástica de manutenção durante a sua vida futura.

            E não resistimos a recordar como boas práticas para pessoal navegante: a esgrima, o pingue - pongue, o ténis, o golfe, a natação, o voleibol, etc..

            Além de boas aterragens, desejo-vos uma boa transpiração.




[1] Os primeiros pilotos civis foram, todavia, formados na Antiga Escola Militar, na Granja do Marquês; uns anos antes. Foram eles: Carlos Bleck; Manuel Vasques; Sousa Santos e Maria de Lurdes Sá Teixeira – a 1ª mulher piloto a ser formada em Portugal (6/12/1928).

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