terça-feira, 24 de junho de 2014

O PR, O 10 DE JUNHO E O DIREITO À MANIFESTAÇÃO

“De Formião, filósofo elegante,
vereis como Aníbal escarnecia,
quando das artes bélicas, diante dele,
com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
não se aprende, Senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando ou estudando,
senão vendo, tratando e pelejando.”

Lusíadas, Canto X, 153
Numa semana em que se comemorou o 886º aniversário do nascimento de Portugal – consideramos a data de 1128, 4/6 (Batalha de S. Mamede), por ser a independência “de facto”, a que realmente interessa, pois só se reconhece o que já existe – é natural que escreva sobre o mesmo. [1]
Por enquanto a falta de tino político que se tem evidenciado em ritmo alucinante, ainda mantém o dia 10 de Junho como feriado nacional. Mas se as coisas continuarem por este caminho talvez não falte muito que o mesmo feriado seja passado para o dia primeiro de janeiro…[2]
Infelizmente a mola que me impulsionou a escrever não foram as boas razões, mas razões que não seria suposto existirem.

Poderia discorrer sobre a secundarização que os próprios órgãos de soberania, as autarquias e, sobretudo, os órgãos de comunicação social (OCS) praticam quanto à data relativamente, por exemplo, ao “pontapé na bola”, que impera em todo o lado.
Dá ideia que a República vive no reino do futebol e que, só gostamos de ser portugueses e de nos sentirmos patriotas quando a selecção joga – mesmo quando o futebol em vez de ser um desporto de eleição, virou um negócio monumental (com muitos casos de polícia pelo meio) e tudo se faz para forjar naturalizações…
Poderia ainda referir que a maior manifestação de iniciativa da sociedade civil existente no país, independente de qualquer apoio do Estado ou de entidade política, não merece a atenção nem é considerada notícia, ou objecto de reportagem, pela esmagadora maioria dos nossos libérrimos e democratíssimos OCS.
Refiro-me à homenagem nacional aos combatentes portugueses, que se realiza todos os anos, nos Jerónimos e junto ao monumento aos mortos do Ultramar, em Pedrouços.
O facto de cerca de meia dezena de milhar de pessoas de todo o país, se juntarem ordeiramente, sem reivindicarem nada, sem ofenderem ninguém, sem ódios de espécie alguma, apenas para prestarem, respeitosa e sentidamente, as suas homenagens a quem se sacrificou combatendo debaixo da Bandeira das Quinas, não deixa de ser uma afirmação política e patriótica de Portugalidade.
Não é pois, inocentemente, que se faz silêncio sobre a mesma, mas uma demonstração inequívoca de sentimentos e ideologias que atravessam a sociedade, o que deveria ser objecto da mais profunda reflexão.
Mas o ponto que gostaríamos de salientar ocorreu durante as cerimónias oficiais do Dia de Portugal – dia que, é bom recordar, chegou a ser proibido nos tempos do “PREC”, sendo durante anos uma cerimónia soporífera e das quais as FA estiveram arredadas (escovadas?) durante mais de três décadas, sendo recuperadas para as mesmas no 1º ano do consulado do actual PR.
Ora quando o Professor Cavaco Silva, na sua qualidade de PR – frisa-se – iniciava o seu discurso frente a formatura de tropas, uma parte da assistência começou a manifestar-se ruidosamente contra ele e contra o Governo. Protestos que continuaram durante o incidente de saúde que acometeu o Presidente.
Não está em causa o grau de simpatia política que cada um de nós possa ter relativamente a qualquer órgão de soberania mas, que diabo há ocasiões, formas e lugares, para tudo. E temos que nos saber comportar em cada uma delas, sob pena de regredirmos à selva e às suas leis.
Estamos perante a cerimónia que é a mais importante do calendário nacional – e, por definição, não pode haver outra; diante dos exércitos de terra, mar e ar, que servem e defendem a Nação sendo, em simultâneo, o mais poderoso instrumento do Estado; cerimónia que é presidida pelo mais alto magistrado, o qual apesar de ser eleito por uma parte da população é suposto todos representar.[3]
Cerimónia que é pública, à qual assiste a população que assim o entende e que também tem o direito de não ser incomodada.
Ora o que aconteceu é que existem grupos de cidadãos que nada respeitam e para os quais, pelos vistos, os fins justificam os meios.
Grupos de cidadãos, alguns dos quais identificados como simpatizantes de organizações políticas, ou outras – que, no fundo, não passam de correias de transmissão das primeiras – com responsáveis conhecidos, que depois não se podem vir a desculpar ou a chorar lágrimas de crocodilo por eventos que, entretanto, se deram.
Tais atitudes não configuram apenas hipocrisia política, entram no campo da subversão.
Esteve bem o General CEMGFA na intervenção que fez. Mostrou coragem, senso e presença de espírito.

Uma última reflexão.
Não chegámos a uma situação destas, que leva já muitos anos, por uma espécie de osmose cósmica, tipo “chuva de radiações ultravioleta”.
Tudo tem causas terrenas e comezinhas, de cuja responsabilidade atribuo à generalidade da classe política – sem embargo das responsabilidades dos militares consubstanciado no MFA/CR - [4], que, ao contrário de conseguirem serenar os ânimos e disciplinar as hostes e organizar a sociedade, têm pejado o éter de maus exemplos.
Em primeiro lugar pelo desrespeito e ataques aos órgãos de soberania; às instituições nacionais – das quais a família é a primeira entre todas – e á constante e acintosa prática, de falta de elevação no debate político.
Quase toda a prática política (desde 1975) – o exemplo vem de cima – tem sido no sentido de “nivelar” por baixo, quebrando o sentido da hierarquia, sem o que não há autoridade que resista; deformando-se conceitos fundamentais, como foi, por ex., o de confundir “Democracia” com cada um fazer o que quer; liberdade, com libertinagem; liberdade de expressão com irresponsabilidade, e muitas mais, que tiveram efeitos devastadores no comportamento das gentes.
Com especial relevo no seio da família, na escola, nas relações laborais e na Justiça.[5]
Tudo isto passou para os OCS, enformados por um libérrimo enquadramento jurídico, talvez ainda pior daquele que vigorou no fim da Monarquia Constitucional e na 1ª República, e que tanto contribuiu para a sua queda, como para a justificação da “censura e exame prévio” que se lhes seguiu!
Inevitavelmente, tudo o atrás exposto teria, um dia, de se voltar contra os seus fautores e, por isso, é que hoje em dia, ninguém tem respeito por ninguém, nem por nada, e os governantes evitam sair à rua e andam guardados por “pelotões” de seguranças.[6]
É preciso pôr ordem no beco.
E não se vislumbra horizonte para tal.


[1] Aliás, a independência não é um direito, mas antes uma evidência, que tem que ser conquistada e mantida!…
[2] De 1986. Data da adesão de Portugal à CEE…
[3] Problema que não se coloca nas Monarquias
[4] Movimento das Forças Armadas/ Conselho da Revolução
[5] Lembram-se, por ex., dos Presidentes Mário Soares e Sampaio a apelarem à indignação e a maltratarem agentes da autoridade?
[6] O “perigosíssimo” Almirante Tomás tinha um agente da PSP à sua porta…

2 comentários:

Anónimo disse...

Lúcido comentário, mais um; Bem haja e que Deus o proteja para nos dar a possibilidade de reflectir em muitos outros de pensar Portugal e não só, meu tenente coronel.
D.Pinto

Ricardo disse...

"O votismo e o parlamentarismo são,em Portugal pelo menos,os agentes mais destrutivos de toda a competência administrativa. Desde 1836 até hoje,toda a história do liberalismo português subsequente à ditadura filosófica de Mousinho da Silveira é a flagrante demonstração da nossa incapacidade governativa dentro de um regime parlamentar.Dessa estagnação do pensamento nacional na esfera governativa nasceu a progressiva corrupção dos caracteres poluídos e dos costumes progressivamente rebaixados,dando em resultado final a podridão profunda em que nos afundamos."

Ramalho Ortigão in As Farpas na República de 1911